Sofria de síndrome do túnel cárpico e eu sou daquele tipo de pessoa que se é para tratar, vamos logo,vamos à isso. Prefiro operação do que tentativa de tratamento... Tenho ansiedade para tudo, ainda mais para me livrar de um problema.
Operei uma das mãos com o Dr. José Miguéns, adorei-o, médico maravilhoso, operação da mão esquerda impecável.
3 anos depois, decidi operar a outra mão. O Dr. José Miguéns estava num hospital público, já não conseguiria encontrá-lo.
Ligo no CUF e pergunto sobre algum neurocirurgião para uma consulta, me respondem que há a possibilidade de ser atendida em dois dias pelo Dr. Lobo Antunes.
Eu fiquei meu incrédula, conseguir uma consulta através do plano de saúde, com nada menos, nada mais que um grande especialista, super cirurgião, conselheiro de estado, enfim, uma sumidade iria me atender em menos de 48 horas? De olhos arregalados disse que sim!
No dia da consulta, não imagino a razão, fui de táxi e quando entro para a consulta, dou a mão ao Sr. Doutor e dou-me conta que tinha deixado o telemóvel no táxi, e suspiro.
Ele me pergunta qual o problema e eu digo sobre o telemóvel, ele nem pensa um minuto, tira o seu próprio telemóvel e me diz para telefonar para meu número e falar com o taxista.
Eu, zonza pela perda do telemóvel e por aquela figura icónica ter se transformado num passe de mágica num ser humano normal, já me fez sentir em casa num instante.
Lembro que era um quinta-feira, porque a conversa foi assim:
Doutor: ¨Qual é seu problema?¨
Eu: ¨Síndrome do Túnel Cárpico, já operei a mãe esquerda, agora sinto muito a direita¨
Doutror: ¨Só operando¨
Eu: ¨Sim eu sei¨
Doutor: ¨Quando quer operar? ¨
Eu: ¨Tanto faz¨
Ele olha para a agenda...
Doutor: ¨Terça-feira, 15:00 ?¨
Eu: ¨A próxima, jáááá´?¨
Doutor: ¨ A senhora disse que tanto fazia!¨
Eu: ¨ Pois é...que seja terça! Mas e o plano de saúde, precisa aprovar, dará tempo? ¨
Doutor: ¨ Se sou eu a pedir, não há discussão¨
Eu: ¨Ok!¨
Beijinhos, e quando eu saio do consultório, ele vem atrás e diz para a secretária me deixar telefonar, que eu tinha perdido o telemóvel ( imaginem, ele, uma sumidade a levanter-se para me ajudar)
E de facto foi como ele disse, no outro dia já tinha o ok do plano se saúde ( manda quem pode, obedece quem tem juízo).
Na terça ele me operou, na hora marcada, com a mesma simpatia, perguntou pelo telemóvel, me tratou com carinho.
Depois de alguns dias voltei para tirar os pontos, ele como sempre, doce, calmo...
Eu, para fazer conversa, perguntei sobre algo que se passava na política nacional, e ele parou, me olhou com aqueles olhos meigos, azuis, que pareciam duas bolinhas de gude, e disse:
¨Por que me pergunta isso?¨
Eu: ¨ O Doutor é Conselheiro de Estado, não é?
Ele ri, e diz... ¨não sabia que a senhora sabia...Mas olhe, como as coisas estão, aconselhar tem sido uma tarefa difícil... ¨.
E foi esse meu contacto, que nunca vou esquecer, com esse grande senhor.
Uma pena ter ido de certa forma, assim tão cedo. Sabia muito, tinha ainda muito para partilhar.
Ainda bem que eu pude conhecê-lo e me beneficiar da sua sabedoria.
Me deu uma imensa tristeza saber da sua morte. Acredito que o país inteiro chora a sua partida.
Dr. João Lobo Antunes, foi uma honra ter sido sua paciente!
Depois de ter escrito esse post, fui procurar uma fotografia do Dr. e encontrei essa frase de sua autoria, que achei que coincide com a minha experiência supracitada:
¨ Há anos escrevi que não se pode dizer com os olhos aquilo que se
nega com a palavra. Diria que foi a experiência da doença que me tornou
mais sensível. Como se tivesse esticado a corda do violino e esta
vibrasse ao menor toque, com maior intensidade e frequência. Por isso,
mais do que uma mudança sofri uma evolução, que introduziu outra doçura
na relação com as pessoas.”
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